Reportagem Especial: Nos cemitérios, cuidando dos mortos para agradar os vivos – e sobreviver
Se perguntarmos para a população quem gostaria de trabalhar em cemitérios, a minoria absoluta responderia afirmativamente. Num ambiente cheio de dogmas e folclores há um trabalho incessante a ser feito, por categorias profissionais representadas pelo Siemaco.
Seja varrendo, coletando, limpando e até mesmo sepultando, os trabalhadores dos cemitérios pertencem tanto à categoria do Asseio e Conservação quando das Áreas Verdes. Eles embelezam onde muitos não veem beleza, cuidam onde há abandono, zelam com carinho onde também há amor.
No feriado de Finados, quarta-feira, dia dois de novembro, a reportagem do Siemaco encontrou um grupo muito especial de trabalhadores. Profissionais ou não. Entre eles, os funcionários das empresas Clean Max e Arcolimp, que prestam serviços no Cemitério do Araçá, no bairro de Cerqueira César.
Damião Firmiano dos Santos é podador de árvores. Veterano nas áreas verdes, ele teve de adaptar à rotina do cemitério onde não executa trabalha em altura. “Eu uso a tesoura, podando as plantas no chão.”
No dia de celebrar os mortos ele estava dando uma força na varrição para os colegas, entre eles o angolano João Silva. Vindo de Luanda há um ano, o imigrante mudou-se para o Brasil depois que a esposa veio fazer compras em São Paulo e, grávida, decidiu ficar no país. No próximo dia 12 os gêmeos Jamice e John, cidadãos brasileiros, completam um ano. João era cabeleireiro na capital de seu país e afirmou estar satisfeito com a nova profissão.
A varredora Calina do Nascimento Silva era vendedora e há quatro meses trocou a rotina agitada das lojas pela paz dos cemitérios. “No começo tive medo mas hoje sei que aqui é sossegado”. Era o primeiro dia de finados dela, que se surpreendeu com o movimento.
O varredor Lúcio da Silva Ribeiro trocou o trabalho informal como feirante pela varrição de cemitério. “Eu tenho filho pequeno para criar e quando uma tia me indicou para a empresa não perdi a oportunidade. Existe muita superstição, mas não falta trabalho. Como as folhas caem o tempo todo o serviço não acaba nunca.”, exemplificou.
Convivendo com reclamações
Com mais de 220 mil metros quadrados, o Cemitério do Araçá é conhecido pela beleza dos seus túmulos, que abrigam parte da arte gótica (tumular) da capital paulista. Como é frequentado por famílias tradicionais, há muita exigência em relação à qualidade dos serviços
“Folha não é sujeira”, justificam os trabalhadores enquanto alguns usuários reclamam do lixo acumulado. Na verdade, em dias de vento as folhas se espalham rapidamente, mas o que surpreende mesmo são os resíduos largados pelos visitantes. Entre eles embalagens de vela, fósforos, maços de cigarros, garrafas plásticas. Sem falar nas flores murchas, vasos abandonados etc.
“Há muita família rica aqui. Eles são exigentes e reclamam com a gente”, afirmam os trabalhadores. Entre eles os operadores de roçadeira Cícero Versoza Silva e Marivaldo Sérgio Santos e os varredores Paulo César Germano da Silva, Cleonice Ferreir, Ivania Martins e Maria Sonia Santos Faria.
Gentis, eles fazem questão de ajudar os visitantes, principalmente os idosos. Duro mesmo é ficar quieto quando um visitante reclama dos entulhos espalhados, restos de contrução ou de túmulos quebrados, que não são da competência deles, mas da manutenção.
Cleonice era vigilante, mas quando a empresa perdeu o posto ela não quis esperar e agarrou a oportunidade quando a empresa Clean Max assumiu o contrato. “Eu tenho de suprir as necessidades da minha família e agradeço a Deus por esse trabalho.”
O grupo conta que o trabalho parece leve, mas não é. Duas vezes por semana um caminhão cheio de resíduos sólidos é tirado do cemitério. Em média, dois mil sacos recolhidos, duas vezes por semana. De folha em folha, de galho em galho, toneladas de lixo!
Banheiros limpos
O movimento nos banheiros também é intenso. Afinal, são poucos os lugares públicos onde contamos com banheiros limpos.
A usuária pergunta: preciso pagar para usar o banheiro? A auxiliar de limpeza, responde que não. Muitos dos banheiros dos cemitérios paulistas, no entanto, estão fechados, porque os contratos de limpeza estão suspensos.
Aos 49 anos, Dartcleia Mendes Ribeiro trabalha como auxiliar de limpeza há cinco. Funcionária da Arcolimp, ela cuida dos banheiros do cemitério.Não teve folga nesse finados. Trabalhou muito, pois o movimento foi intenso e ela teve se de desdobrar para manter serviço em ordem..
Oportunidade na limpeza de túmulos
Nos cemitérios da cidade, centenas de pessoas desempregadas chegam cedinho, com balde, vassoura e produtos de limpeza na mão na expectativa de conseguir um dinheiro extra. Eles abordam os visitantes e se oferecem para limpar os túmulos em troca de uma “caixinha”. Todo valor em dinheiro é bem-vindo!
Com apenas 23 anos, Wellington Pinheiro saiu de madrugada do Itaim Paulista rumo ao Cemitério do Araçá, acompanhado por amigos. Desde adolescente ele repete a ação e teve ano que chegou a limpar 40 túmulos num único dia.
Ex-funcionário da Limpeza Urbana, ele tem mulher e dois filhos pequenos (nove messes e cinco anos) para sustentar. “Eu respeito os mortos e agradeço aos vivos”, disse, garantindo que gosta do trabalho na limpeza e gostaria de voltar ao mercado formal.
Movimento intenso
A florista da tradicional Mercado de Flores da Avenida Dr. Arnaldo se surpreendeu com o movimento nesse feriado de Finados. Muita gente comprando, muita gente visitando os cemitérios…
Ela não soube explicar se os consumidores estão animados com a mudança na economia ou se o fato de o feriado ter caído num dia de semana fez o movimento aumentar. Próximo do Cemitério do Araçá estão localizados vários cemitérios, municipais e privados, e a maioria estava cheio, fazendo a alegria do comércio formal e informal.
Do outro lado da rua, no cemitério particular, café da manhã, orquestra e coral transformaram finados num dia de celebração. Os funcionários particulares (jardineiros, varredores e coveiros) também fizeram plantão e tiveram trabalho dobrado durante todo o feriado.