Hoje eles limpam as ruas onde moravam
Eles são conhecidos como “novatos” no Alojamento Santo Amaro, da Soma, mas já têm desempenho de veteranos! Seis deles começaram a trabalhar como auxiliares de serviços diversos no dia13 de março e apenas um desistiu ainda na primeira semana.
Chegaram como profissionais sem experiência e conquistaram o respeito da liderança e dos colegas pela dedicação, seriedade e comprometimento. Uma mudança radical de vida pelo histórico individual, que acumula histórias de desesperança.
Caio, Mamadou, Francisco, Paulo Henrique e Manoel são ex-moradores em situação de rua. Com exceção de Caio, que vive com a esposa num prédio invadido, no centro histórico de São Paulo, os demais vivem no Albergue Arsenal Esperança, localizado na Mooca, um dos mais rígidos e bem estruturadas da cidade e aonde vivem 1150 pessoas.
O grupo aderiu ao projeto Trabalho Novo, da prefeitura municipal, e que conta com o apoio das empresas e do Siemaco. No total, foram contratados 21 trabalhadores, sete em cada região (Mooca, Ipiranga e Santo Amaro) onde a Soma presta serviços de Limpeza Urbana.
Limpeza que é um projeto de vida
Caio Calado de Araújo tem apenas 21 anos, mas vivência de adulto. Em situação de rua há quatro, desde que deixou a casa do irmão após uma briga, quem diria ele encontrou o amor da sua vida -e a motivação para sair dela- exatamente na rua: O jovem vai ser pai de Alana Gabrieli, daqui a dois meses.
A família de Caio mora em Peruibe e ele esperava crescer quando se mudou para São Paulo. Na rua ele sentiu frio, mas não fome. O mais assustador, confidencia, era a chegada do “rapa”, quando os policiais chegavam e tomavam todos os seus pertences “Eles levavam tudo, mesmo não podendo. Isso não é certo!”
Curiosamente, na rua ele transformou a dor em amor ao conhecer a esposa, Stefanie. Sete anos mais velha e com uma história ainda mais difícil, foi ela, e a criança que espera que deram a motivação para buscar o sonho da casa própria.
Primeiro o casal foi acolhido na casa do assistente social Robson e depois que ele arrumou o emprego a família mudou-se para o apartamento novo onde hoje vivem cinco pessoas. Isso mesmo, os filhos de Stefanie (duas meninas de 10 e oito anos e um menino de cinco) que moravam com a avó, agora vivem com o casal. “Foi tudo muito rápido. Aceitei participar do projeto, fiz um curso de capacitação de uma semana e logo depois do carnaval comecei a trabalhar. Com a ajuda da minha esposa vou deixar tudo de errado para traz…”
Francisco Barbosa é cearense, pai de três filhos (um menino e uma menina de 9 e 5 anos) que ficaram com a mãe após a separação do casal há um ano e uma menina de 16, fruto do primeiro casamento. Mesmo vivendo na capital paulista há 15 a desestruturação familiar o levou a viver na rua, e depois no albergue.
“Na rua tudo é ruim. Você vive jogado, sem nada. Água é o mais difícil de conseguir”, contou. No albergue ele tem cama, comida, roupa limpa e condições de mantê-las assim. Tudo o que tem cabe um maleiro pequeno e quando sai leva parte do que conquistou numa mochila.
Agora, empregado, ele tem prazo para encontrar um novo lugar para ficar e já está negociando um quarto, na região central, para se mudar até o final do mês. Ex pedreiro e porteiro, Francisco está estudando para concluir o segundo grau e também fez vários cursos de capacitação. A família não sabe das condições adversas que ele enfrenta.“Fico constrangido de contar, primeiro quero reconstruir a minha vida”, justifica dizendo que a ultima vez que ele reuniu os filhos foi no dia 21 de dezembro.
Com uma história diferente, porém tão dolorida quanto, Mamadou Oulé Diallo percorreu continentes buscando oportunidades. Aos 37 anos, ele deixou mãe, esposa e dois filhos (5 e 4 anos) na República da Guinê-Bissau, onde teve de abandonar a faculdade de e Marketing Geral em consequência do desemprego.
“A vida no Brasil é boa, pois não há discriminação e todos vivem livres e iguais, afirmou com a experiência de quem viveu a segregação na Itália, Turquia e Rússia. Com uma tristeza no olhar, mas a esperança de dias melhores, Mamadou trabalha para trazer a família para o Brasil. Enquanto isso, divide o salário e mandar metade para a África Ocidental.
“Aqui todos vivem juntos, a polícia nunca me parou na rua como aconteceu em outros países. Aqui sou um cidadão está tudo certo!”. Quanto a trabalhar na limpeza, ele diz taxativo: eu sempre gostei das coisas bem limpas, de tudo limpo!”
As drogas levaram Paulo Henrique Rodrigues, 34 anos, à situação de rua. Paulistano de Hortolândia, onde ainda mora as irmãs, ele trabalhava em gráfica até que descobriu a oportunidade no segmento de eventos. Viajou Brasil afora e há sete buscou refúgio no albergue. “Estou limpo há seis meses”, conta orgulhoso, dizendo que foi difícil abandonar as drogas mas que esta decisão pessoal é definitiva para o começo de uma vida nova para qualquer usuário.
Após conseguir largar o vício, as ruas e conquistar um emprego de carteira assinada, ele pretende reencontrar as três irmãs. Ele perdeu o contato, e como Hortolândia fica a mais de cinco horas de viagem, ele precisaria de tempo para viajar e tentar localizá-las, pois perdeu o contato.
Aos 49 anos, Manoel de Oliveira Sousa tem muita história para contar. Nunca perdeu o contato com a família, inclusive a filha Dayane e os netos de quatro e um ano, que moram na Praia Grande. Nascido em São Vicente, ele foi parar nas ruas da capital após perder o emprego, há sete meses. Ele trabalhava na construção civil, como serralheiro e jatista, ao lado de um empreiteiro.
Não foi a primeira vez que foi parar nas ruas, o que já havia acontecido no ano 2000, após o divórcio. “Na rua conheci uma mulher doida”, diz bem humorado, mas a droga conheceu no quartel, aos 18 anos. Ele chegou a ser cabo no 2º. Batalhão de Caçadores de São Vicente, sua cidade natal, mas contou ter enjoado da Farda.
Apesar de escolher São Paulo para vier, Manoel gosta mesmo é do mar, de andar de bicicleta na orla, o que faz sempre que pode. “Sinto saudades da praia…”
A mudança tem de ser pessoal, e definitiva
Com exceção de Mamadou, todos são ex-viciados em drogas. A superação, garantem, tem de ser uma decisão pessoal. Não basta querer, tem de se empenhar, mas é preciso de apoio e oportunidades para virar o jogo e recomeçar. “A gente cansa de sofrer”, resume Ceará.
Os cinco trabalhadores acordam cedo, às quatro da manhã, pegam o ônibus juntos e às seis começam a trabalhar. Caio ainda tem fisiologia de adolescente e confessa ter dificuldade para acordar cedo, mas está se adaptando. Hoje, todos têm na rotina a ferramenta para a consolidação dos novos projetos.
Apoio da Chefia
Liderar quase 70 pessoas não é tarefa fácil, mas um desafio que Givaldo Araújo Viana cumpre com competência.Quando os novatos chegaram ele ensinou o trabalho e desde então vem se surpreendendo com o desempenho.
“A experiência mais marcante até agora foi quando eles tiveram de trabalhar numa remoção e se viram do outro lado”, contou. Mesmo percebendo o desconforto da equipe ao se deparar com os moradores de rua da região das Águas Espraiadas, ele se surpreendeu com o profissionalismo.
O fiscal dos bueiristas, Douglas Sabino, teve a oportunidade de trabalhar com alguns deles. Confirma a competência e a fácil convivência no alojamento. Para o analista de RH, Fernando Coelho da Silva, eles foram contratados como trabalhadores como outro qualquer, com todos os direitos garantidos e nenhum momento foram apresentados de forma diferente. Sente, contudo, a motivação adicional. ”Todos estão evoluindo muito bem.”
Coragem ao quebra o anonimato
Filiados do Siemaco, o grupo aos poucos tem se aberto aos colegas, mas não teve receio de contar as suas histórias à reportagem do site.. Ainda estão conhecendo o sindicato, os benefícios de ser sindicalizado, mas sabem que estarão protegidos como trabalhadores da categoria. “O sindicato luta pelos direitos do trabalhador, não é mesmo?, questionaram.
As diretoras Márcia Adão e Daniela Sousa fizeram questão de acompanhar a conversa, para saber mais das necessidades do grupo e saber como poderão ajudá-los a crescer.
“O meio ambiente em que eles vivem interfere diretamente no desempenho. O fato de morarem num albergue estruturado fez a diferença, Hoje eles têm uma expectativa de vida e o sindicato está aprendendo com eles“, afirmou Márcia.
Daniela confidenciou: “Fiquei sabendo que todos vocês são trabalhadores excepcionais. Merecem nota 10!
Vida que segue
É importante frisar que viver nas ruas é uma opção, não uma escolha. São inúmeros os motivos que levam uma pessoa romper com as estruturas, mas muitos deles só esperam uma nova chance.
Para conseguir vaga num albergue é preciso telefonar para o número 156, torcer para ter vaga e esperar o carro chegar levando-os para uma região desconhecida da cidade. Todos os dias repetir essa rotina até conseguir uma vaga permanente. Dormir no albergue é outro desafio, pois há risco de furtos, brigas e até doenças.
Nas ruas, conseguir um cobertor é uma façanha e água o maior desafio. São inúmeros os motivos que levam um morador em situação de rua perder a razão ou a vida, no relento. Na rua, a vida está por um fio.